21 maio 2009

Update
A caixinha de música está actualizada. Que é o mesmo que dizer que há peças novas para ouvir, algumas das que fiz no último mês e meio. O tempo tem sido pouco...

01 abril 2009

Reserva Agrícola Nacional
Novo regime permite golfe, turismo, parques eólicos e solares
A partir de agora são as autarquias quem decide o futuro dos terrenos em Reserva Agrícola Nacional (RAN), cuja lista de actividades não agrícolas permitidas inclui golfe e turismo. Mas as novidades trazidas pelo novo regime jurídico, decreto-lei do Governo ontem publicado em Diário da República, não ficam por aqui.

Na proposta de delimitação da RAN deve ser ponderada a necessidade de excluir áreas com edifícios licenciados, bem como de zonas destinadas a satisfazer carências de habitação, de actividades económicas, de equipamentos e de infra-estruturas. Ou seja, no momento em que se classifica uma área como Reserva Agrícola, já se prevê que se venha a excluir pedaços dessa mesma Reserva, e com critérios bastante amplos.

Este novo regime jurídico contempla também um extenso rol de utilizações que, não sendo agrícolas, são permitidas naqueles terrenos. É o caso de “instalações ou equipamentos para produção de energia a partir de fontes de renováveis”, como parques eólicos ou solares, “estabelecimentos de turismo em espaço rural, turismo de habitação e turismo de natureza”, abrindo portas à construção desses empreendimentos, bem como campos de golfe, declarados de interesse pelo Turismo de Portugal.

Estas alterações são substanciais ao anterior regime da Reserva Agrícola Nacional, que já tem 20 anos e foi agora revogado. Nesse decreto-lei, do tempo em que Cavaco Silva governava o país, já se previa a necessidade de construir infra-estruturas de interesse público. Neste novo diploma vai-se ao pormenor, autorizando estradas, ferrovias, aeroportos e infra-estruturas de logística, entre outras.

Novidade é também o facto de o novo regime jurídico da RAN considerar a actividade florestal como integrante da actividade agrícola e não lhe colocar quaisquer limites, o que pode abrir caminho para a florestação intensiva para, por exemplo, a actividade das celuloses.

Está também previsto que, em casos excepcionais de “relevante interesse geral”, o Governo possa alterar os limites da RAN, ouvindo apenas a câmara municipal da zona em questão.

A Associação Nacional de Municípios foi, aliás, a única entidade ouvida no processo legislativo, mas não quer, para já, comentar as competências tácitas que este diploma atribui às autarquias. (fim)

RR em 01Abr2009

25 março 2009

Indústria
Fábrica da Blaupunkt não vai despedir, apesar do fim dos auto rádios
Não haverá despedimentos na fábrica da Blaupunkt em Braga, onde trabalham cerca de duas mil pessoas. Depois do negócio dos auto-rádios aquela unidade vai ser reestruturada e passar a produzir componentes para sistemas de aquecimento e electrodomésticos.

A garantia é do novo Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso Alemã, João Paulo Oliveira, que afirma estar pronto para “tentar suportar o processo de garantia das empresas alemãs em Portugal”, que hoje enfrentam desafios à deslocalização.

Este administrador do Grupo Bosch no nosso país rejeita que a fábrica da Blaupunkt, uma das cinco unidades do grupo, esteja em perigo de encerrar, até porque se mantém com resultados positivos. “O negócio dos auto rádios mudou e vamos desactivá-lo, mas na fábrica de Braga já estão outros negócios”, como sistemas electrónicos para os ramos das caldeiras e esquentadores e também dos electrodomésticos. “Não se vislumbram, por isso, despedimentos”, afirma.

Sobre a Quimonda, o Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso Alemã considera que o futuro da empresa “depende de uma solução para a casa mãe e que não passa por Portugal”. João Paulo Oliveira não quer ser “demasiado optimista”, mas assegura que a Câmara dará o seu contributo para manter a unidade de Vila do Conde.

Essa é aliás a missão da Câmara a que preside e o principal objectivo do seu mandato, que hoje começa. João Paulo Oliveira admite que algumas empresas alemãs “estão na berlinda”, mas diz-se preparado para tentar “suportar o processo de garantia das empresas em Portugal”. (fim)

RR em 25Mar2009

13 março 2009

Contestação social
Manifestações aumentam 43 por cento

Nos últimos 3 anos, o número de manifestações no país aumentou 43%. Só em Lisboa houve mais de 500 registos em 2008. Entre 2006 e 2008 as manifestações só diminuíram em Coimbra.

Manifestações de professores, vigílias contra o fecho de urgências hospitalares, protestos contra portagens em SCUTS e contra despedimentos na indústria. Em três anos o número de manifestações no país aumentou 43%.

De acordo com os dados recolhidos pela Renascença junto dos governos civis do continente, de 530 avisos de manifestações registados em 2006 passou-se para mais de 750 em 2008, o que dá uma média de duas manifestações por dia. No total dos três anos registaram-se 1964 manifestações.

Em Braga as manifestações mais do que duplicaram (de 19 em 2006 para 51 em 2008), em Aveiro aumentaram sete vezes (de 4 para 28), no Porto duplicaram (de 28 para 56) e em Lisboa cresceram 28% (de 411 para 529). Coimbra é o único distrito onde, nos últimos três anos, o número de manifestações diminuiu (de 12 para 4).

No ano passado — e excluindo Lisboa e Porto —, Braga (51 registos), Aveiro (28 registos) e Guarda (20 registos) foram os distritos onde as populações mais se manifestaram.

Na Guarda, recorde-se, além das manifestações contra os despedimentos na unidade da Delphi, os principais focos de contestação nos últimos três anos foram o encerramento de urgências e da maternidade do hospital da cidade.

Aveiro foi palco de vários protestos contra os despedimentos na Yazaki Saltano e Braga, além de um protesto que reuniu no ano passado 3.500 professores do Minho, houve também vários protestos contra as portagens na auto-estrada A28.

Manifestações quase exclusivamente a Norte

Olhando para o mapa do país, a Sul do Tejo apenas tiveram lugar 4% do total das manifestações (84) e a Norte do Mondego concentraram-se 18% (362). Sem surpresa, Lisboa e Porto somam 81% das ocorrências, embora com uma grande diferença: 1504 registos em Lisboa contra 103 no Porto.

A contestação parece, aliás, ser quase um exclusivo do Centro e Norte do país. É que os seis distritos a Sul do Tejo representam apenas quatro por cento do total das mais de 1900 manifestações registadas em três anos. Em 10 distritos houve menos de 10 manifestações em 2008. (fim)

RR em 13Mar2009

Os dados apresentados referem-se apenas às manifestações que tiveram lugar nas cidades capital de distrito. A informação foi recolhida junto dos governos civis dos 18 distritos do território continental e o pedido referia-se ao número de manifestações comunicadas àquele organismo nos anos de 2006, 2007 e 2008. Em 18 pedidos obtivemos 16 respostas. Évora nunca respondeu ao pedido de informação da Renascença e Leiria não dispunha dos dados. Viseu apenas possuía informação relativa a 2008.

08 março 2009

PS
Socialistas não cumprem quotas
O novo Secretariado Nacional do PS, eleito este domingo, Dia Internacional da Mulher, não respeita a quota mínima de 33 por cento de membros de cada sexo. Entre 11 elementos estão apenas três mulheres.

De acordo com o artigo 116º dos Estatutos do partido, os órgãos partidários e as listas a votação para esses órgãos “devem garantir uma representação não inferior a um terço de militantes de qualquer dos sexos”. Mas três mulheres entre os 11 lugares electivos do Secretariado correspondem a uma quota de 27 por cento. Com mais uma mulher a quota subiria para 36 por cento.

Vitalino Canas, porta-voz do PS, rejeita qualquer incumprimento dos Estatutos e diz que “a regra interna das quotas” é “cumprida integralmente”. Vitalino acrescenta que “em relação ao órgão executivo [o Secretariado Nacional], na nossa perspectiva as quotas também são preenchidas”.

Nos Estatutos está escrito que a representação de um terço de militantes de qualquer dos sexos só é dispensada em “condições excepcionais de incumprimento como tal caracterizadas pela Comissão Nacional”. Mas aos jornalistas e perante várias perguntas nesse sentido, Vitalino Canas não esclareceu se esta foi declarada uma situação excepcional.

Duas secretárias de estado e uma eurodeputada

As mulheres que compõem o Secretariado Nacional do PS hoje eleito são Ana Paula Vitorino, secretária de Estado dos Transportes, Idália Moniz, Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, e Edite Estrela, eurodeputada, que já integravam este órgão. Do anterior secretariado fazia parte Maria Manuela Augusto, deputada em situação de suplente, e reeleita em Fevereiro no cargo de Presidente do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas.

Uma novidade neste órgão executivo do PS é André Figueiredo, chefe de gabinete de José Sócrates no partido, deputado municipal em Seia e vice-presidente da federação do PS da Guarda.

Edmundo Pedro na Comissão Nacional

Na reunião da Comissão Nacional do PS este domingo foi também eleita a Comissão Política, para a qual entraram o ex-ministro da Saúde, Correia de Campos, a candidata à Câmara de Setúbal, Teresa Almeida, e autarca da Guarda, Joaquim Dias Valente.

Edmundo Pedro foi eleito para a Comissão Nacional e Vieira da Silva, ministro do Trabalho, para coordenar o processo eleitoral do partido nas europeias, legislativas e autárquicas. (fim)

com JD - RR em 08Mar2009

02 março 2009

XVI congresso do PS — comentário
Uma encenação vazia de política

A campanha eleitoral do PS começou este fim-de-semana em Espinho, no congresso do partido, um encontro que teve mais de comício do que de congresso.


José Sócrates teve o seu momento de aclamação neste congresso do PS, em Espinho, onde nada foi verdadeiramente discutido. Entre três moções gerais e algumas dezenas de moções sectoriais, nenhuma foi formalmente apresentada, à excepção daquela que Sócrates subscreve e que foi aprovada com mais de mil votos favoráveis e um voto contra. Discussão, nem vê-la.

O secretário-geral foi elogiado por todos os lados, gabado várias vezes pelo presidente Almeida Santos — “o partido merece um líder assim” —, celebrado pelos seus camaradas ditos notáveis, solenizado pelos delegados e militantes de base. É o culto do chefe. Descendo à terra, houve até quem andasse a pedir autógrafos aos homens do partido: Edite Estrela e Augusto Santos Silva foram os primeiros.

A massa socialista chamada a este congresso esteve deslumbrada, apática e desinteressada, aparte os aplausos. Nas intervenções de três minutos, quase impecavelmente intercalando meia dúzia de anónimos e um notável, houve casos sofríveis e discursos que, parecendo encomendados, nem precisavam sê-lo. No púlpito a massa socialista agradece as auto-estradas — as SCUT, entenda-se, que são à borla — que “foram eles que lançaram” e acredita na campanha negra: uma delegada foi ler uns papelinhos e dizer que a crise no sector da comunicação social, com os despedimentos recentes, dita as notícias difamatórias só para vender jornais.

A julgar pela amostra militante, Sócrates vai capitalizar junto do povo a vitimização e as ignomínias em votos. O próprio atacou os jornalistas no discurso de abertura do congresso; frente às câmaras de televisão, Arons de Carvalho foi chamado a complementar e acusar directamente o Público e a TVI; quando intervieram António Costa, Santos Silva, Paulo Pedroso, Ana Gomes, Silva Pereira e tantos outros não se esqueceram de recordar e atacar os orquestradores da campanha, tão negra que culminou no apagão de sábado à noite que obrigou a interromper os trabalhos mais cedo.

Os 1.700 delegados foram escolhidos, bem ou mal, com um propósito: encenar o início da campanha eleitoral. E a “campanha negra” serve o propósito de pedir a maioria absoluta para que Portugal possa ser governado em “estabilidade”, lançando o fantasma da ingovernabilidade ou da indisponibilidade de Sócrates em caso de minoria, aliada àquela lógica perpetuada de que só com maioria se consegue um governo eficaz neste país. Nunca pensei que a democracia fosse um entrave à governação.

Os críticos do partido queixam-se de unanimismo que grassa no PS e as ausências de Alegre e Cravinho ainda entusiasmaram os jornalistas, mas só os jornalistas. Eu não percebo porquê. Num congresso onde não há discussão absolutamente nenhuma, que falta fazem dois militantes desalinhados e críticos da liderança?

A escolha de Vital Moreira para encabeçar a lista do PS às eleições europeias surpreendeu. O professor de Coimbra não milita, ele próprio se afirmou “socialista freelance”, mas é tido como uma figura da esquerda e um homem das ideias e defensor das liberdades e garantias. Uma aproximação à esquerda, pode dizer-se. Mas será um candidato agregador?

No encerramento do congresso José Sócrates deixou um recado a Cavaco Silva: as eleições autárquicas devem realizar-se isoladamente. De resto, Sócrates deu a escolher aos portugueses: “Querem manter o rumo reformista ou regressar ao passado? Querem dar condições de estabilidade e governabilidade?” A campanha começou. Vemo-nos em Outubro. (fim)

20 fevereiro 2009

América
Obama procura aliados, uma equipa e um rumo para o país

O primeiro mês de Barack Obama à frente da Casa Branca fica marcado por quatro desistências na equipa que escolheu para o acompanhar. A política externa foi a grande prioridade, mas as decisões de encerrar Guantanamo e acabar com a tortura nos interrogatórios desviaram as atenções de outras medidas polémicas.

Entre as primeiras ordens executivas assinadas pelo Presidente Obama passou despercebido um documento que autoriza a CIA a manter o chamado programa de rendição de suspeitos, um método instituído por George. W. Bush que assenta em raptos secretos e transferência de detidos para países com acordo de cooperação com os Estados Unidos. Obama, recorde-se, prometeu combater o terrorismo, mas com princípios.

Miguel Morgado, professor de Ciência Política na Universidade Católica, afirma que a realidade da luta contra o terrorismo é implacável e considera, por isso, que Obama vai “desiludir muitas das pessoas que apostaram nele como representante de um ideal humanitário que Bush teria traído”.

Com o encerramento da prisão militar de Guantanamo em um ano, o fim das prisões clandestinas da CIA no estrangeiro, a proibição do recurso à tortura nos interrogatórios de prisioneiros e a recuperação de tratados internacionais como a Convenção de Genebra, é unânime que Obama acabou, de forma simbólica, com um rol de instituições da Administração Bush e começou a dar forma ao que no discurso de inauguração chamou de “era da responsabilidade”. Fica por saber até que ponto.

Ainda na política externa o vice-presidente Joe Biden foi a Munique avisar que a América vai pedir mais aos seus parceiros: chegou a altura de o aliado europeu querer cooperar, porque haverá outros dispostos e ansiosos em dar o braço aos Estados Unidos. “Para mobilizar esforços diplomáticos, económicos e militares que permitam ultrapassar a questão do Afeganistão”, para onde os Estados Unidos vão enviar mais 17 mil soldados, Obama “vai precisar de todos os aliados que encontrar”, diz Miguel Morgado.

Democratas e republicanos de costas voltadas

Dentro de casa, quatro demissões em quatro semanas mancharam a imagem de Obama e embora não seja inédito um Presidente demorar a fechar a sua equipa, ainda não há um nome para o importante cargo de secretário da saúde — Obama prometeu um sistema de saúde de acesso universal —, depois do abandono de Tom Daschle, a braços com irregularidades nos impostos. Já o republicano Judd Gregg feriu o desejo de uma Administração bipartidária, ao abandonar a pasta do comércio alegando diferenças ideológicas.

Esse afastamento entre democratas e republicanos está, na opinião deste professor universitário, vincado sobretudo no plano de recuperação da economia, que teve votos contra dos republicanos nas duas câmaras. “E com boas razões para isso”, diz Morgado, para quem a componente proteccionista do plano desenhado por Obama não é novidade e é perigosa. Também ao revogar a proibição de financiamento às instituições que promovem o aborto, o Presidente entrou em confronto com os republicanos.

Nos últimos três meses pelo menos 700 mil americanos perderam o emprego, o que é apenas um indício de que a Administração norte-americana ainda não apresentou um plano para os Estados Unidos. “A promessa de um rumo claro para o país está a desfazer-se todos os dias”, mesmo apesar das circunstâncias, como a grave crise económica.

Sabendo que 30 dias é muito pouco para se avaliar um Presidente, Miguel Morgado, que durante a campanha apoiou John McCain, faz um balanço negativo da presidência de Barack Obama. “Até agora deu sinais de um Presidente hesitante, confuso, com graves problemas para resolver do ponto de vista da sua equipa, das relações com o Congresso e com os republicanos. É cedo para um juízo, a informação disponível é pouca, mas permite tirar esta primeira consideração, que é negativa”. (fim)

RR em 20Fev2009

09 fevereiro 2009

Ambiente
“É frequente a tutela política intervir quando entende que a solução devia ser outra”

As avaliações de impacto ambiental são muitas vezes objecto de pressão por parte do poder político, seja para encurtar os prazos, seja para alterar a decisão técnica final. Quem o diz é Henrique Pereira dos Santos, um técnico do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) que assinou o primeiro parecer negativo ao Freeport de Alcochete, porque o projecto violava o Plano Director Municipal de Alcochete. A divergência de entendimentos levou a chefia da altura a tomar conta do processo.

Em entrevista à Renascença este antigo Vice-Presidente do ICN — de onde saiu recentemente, depois de ter abandonado a Direcção das Áreas Protegidas do Norte — diz ainda que a aceleração dos processos não é ilegítima, mas que essas decisões raramente são fundamentadas, e que isso acontece com todos os governos.

Existem muitas justificações razoáveis para se acelerar uma avaliação de impacto ambiental (AIA), diz o técnico, mas na maioria das vezes, quando se apressa uma avaliação há uma pressão de natureza política. “O que me preocupa é a falta de formalização da decisão e, sobretudo, a falta de fundamentação, o que torna discussões sobre estas matérias extraordinariamente escorregadias”, alerta.

Henrique Pereira dos Santos diz ainda que os técnicos são muitas vezes chamados a explicar aos decisores políticos as opções que tomam. O problema, diz, é quando a conversa passa do mero esclarecimento de dúvidas e de troca de opiniões diferentes “para passar a ser uma coisa tipo: tenho o gabinete de não sei quem a dizer que quer isto aprovado e façam lá o que entenderem para aprovar isto”. (fim)

José Pedro Frazão e João Pedro Vitória - RR em 06Fev2009 | Áudio disponível na caixinha aí do lado.

08 janeiro 2009

Cultura
Representante português na Bienal de Veneza conhecido na próxima semana

Deverá ser conhecido na próxima semana o nome do representante português na Bienal de Veneza. O Ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, afirmou à Renascença que a escolha está feita, mas não quer, para já, revelar o nome do artista. Pinto Ribeiro rejeita ainda qualquer polémica na selecção do representante português naquela bienal, cujo anuncio está pendente a menos de seis meses do evento, um atraso superior ao de anos passados, o que tem motivado acesas críticas ao Ministro.

Pinto Ribeiro responde aos críticos dizendo que “estas coisas são anunciadas quando devem ser anunciadas, e não quando as pessoas acham que o devem ser”. O impasse no anúncio da representação portuguesa em Veneza já motivou um pedido do CDS-PP para que o Ministro da Cultura preste esclarecimentos no parlamento.

O cineasta Pedro Costa, aclamado pela crítica internacional, foi dado com o nome escolhido, mas as negociações entraram num impasse. No meio cultural fala-se agora também da artista plástica Joana Vasconcelos.

Ao mesmo tempo que se conhecerá o representante português na Bienal de Veneza deverá também ficar claro de que forma o Estado português vai apoiar a representação portuguesa na feira de arte ARCO, de Madrid. (fim)

RR em 08Jan2009

05 dezembro 2008

Ambiente
Polónia procura medidas excepcionais ao Pacote Energia-Clima

É na Polónia que decorre a Conferência das Nações Unidas para o Clima, a mesma Polónia cujo sector eléctrico depende em cerca de 90 por cento de centrais abastecidas a carvão, e por isso altamente poluentes. E é a Polónia que está a tentar arrancar à Presidência francesa da União Europeia medidas de excepção para não ser obrigada a comprar licenças de emissão de CO2.

A Polónia lidera, aliás, um grupo de nove países de Leste que se opõe ao pacote Energia-Clima da União Europeia, e é na Polónia que, entre hoje e amanhã, Nicolas Sarkozy se vai sentar informalmente à mesa com estes líderes e negociar, para preparar o Conselho Europeu de 11 e 12 de Dezembro, onde devem ser tomadas importantes decisões na política de comunitária de ambiente.

A França propõe que metade das licenças de poluição que aqueles países de Leste teriam de comprar a partir de 2013, para o sector eléctrico, seja gratuita durante três anos, até 2016. Um adiamento que, mesmo assim, não satisfaz totalmente Varsóvia.

É que, já se sabe, a seguir a uma concessão vem sempre outra e a Alemanha quer o mesmo tratamento para a sua indústria química, do aço e do cimento. E depois, vai mais longe: quer que toda a restante indústria apenas tenha de comprar 20 por cento das licenças de emissão de CO2.

E Berlim, recorde-se, já conseguiu esta semana adiar em três anos o prazo para a indústria automóvel se adaptar às regras que exigem carros menos poluentes, com emissões de CO2 até 130 gramas por quilómetro, meta que deveria entrar em vigor em 2012. (fim)

RR em 05Dez2008

29 novembro 2008

Ambiente
A caminho da embaixada “carbono zero”

O embaixador do Reino Unido em Lisboa gosta de andar de bicicleta e desloca-se num automóvel híbrido. Agora quer reduzir as emissões de CO2 na residência oficial da embaixada e dar o exemplo. Porque os compromissos climáticos dizem respeito a todos.

Na residência do representante de Sua Majestade no nosso país, há ainda muito por fazer no que respeita à poupança de energia. Para isso a associação ambientalista QUERCUS foi chamada a realizar uma pequena auditoria energética, apontar os defeitos e sugerir as soluções.

Num edifício de dimensões consideráveis — uma moradia de dois pisos e jardim que ocupa quase um quarteirão — o mais imediato passa pela utilização racional da iluminação. Na sala onde foram recebidos os convidados para a explicação sobre como poupar, às dez da manhã estavam ligados oito candeeiros, todos com lâmpadas incandescentes e dispostos de forma errada, junto das janelas, em vez de iluminarem as zonas de sombra, notou Francisco Ferreira, da QUERCUS.

Na residência oficial, que serve de hotel para personalidades políticas britânicas em viagem, e de centro de convívio para os múltiplos eventos sociais que fazem parte da vida de uma embaixada, o diplomata Alexander Ellis quer reformar o sistema de aquecimento a gás, tornando-o mais eficiente e com maior controlo da temperatura. Está também em curso o estudo para a instalação de painéis solares para aquecimento da água corrente em todo o edifício e ainda uma maior atenção à separação do lixo para reciclagem.

É obviamente impossível que a embaixada do Reino Unido, como qualquer outra, se torne num edifício “carbono zero”, mas os objectivos ambientais a uma escala micro servem de exemplo ao quotidiano de todos nós e também à escala global.

Britânicos são os mais ambiciosos dos 27

O Reino Unido tornou-se no país da União Europeia a estabelecer a meta mais ambiciosa no que respeita à redução de gases com efeito de estufa. Através da nova Lei de alterações climáticas, aprovada na quarta-feira pela Câmara dos Lordes, a Grã-Bretanha compromete-se a reduzir as emissões de CO2 em 80% até ao ano 2050, e até 2020 a diminuição deve ser de 26%, mais seis pontos do que as exigências de Bruxelas.

No que diz respeito à diversidade das fontes de energia, de acordo com as metas de Bruxelas nos próximos 12 anos o Reino Unido precisa de produzir 15 por cento da sua electricidade a partir de fontes renováveis, mas em 2005 não foi além de 1,3 por cento. (fim)

RR em 29Nov2008

13 novembro 2008

Educação
Mais um professor agredido, duas semanas não chegam para DREL avaliar o caso

Uma professora e um auxiliar foram agredidos por um aluno dentro de uma sala de aula na Escola Secundária da Baixa da Banheira, na Moita. O agressor, um aluno de 19 anos de idade, foi suspenso durante cinco dias e a escola pediu, há duas semanas, a transferência do aluno para outro estabelecimento de ensino. A decisão ainda não é conhecida e a DREL não quer comentar.

A 27 de Outubro mais uma aula de língua estrangeira acabou em agressão. A professora de uma turma de um curso técnico de electromecânica interveio para terminar uma discussão entre dois alunos e acabou por ser agredida em plena sala de aula, primeiro com ofensas e depois com pontapés. A mesma sorte teve um funcionário da escola, que entretanto veio em seu auxílio.

A docente, que pede para não ser identificada, receia voltar às aulas com aquela turma, teme pela sua segurança e queixa-se de ser obrigada a conviver com o agressor. Após a suspensão de cindo dias, o período máximo previsto, o aluno já voltou à escola.

O Conselho Executivo da Escola Secundária da Baixa da Banheira enviou à Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo o pedido de transferência deste aluno para outra escola, indicando um estabelecimento de ensino que estaria disposto a receber o jovem, mas passadas duas semanas a escola ainda não conhece a decisão. Contactada, a DREL recusou comentar o caso.

A professora, que lecciona naquela escola há mais de 20 anos, critica a lentidão das decisões e deixa ainda um desabafo: os professores perderam toda a autoridade. (fim)

RR em 13Nov2008 | com JPM e CN

10 novembro 2008

Orçamento de Estado 2009
Obras devem respeitar estudos de impacto ambiental, diz ministro do Ambiente

O ministro do Ambiente afirma que os estudos de impacto ambiental vão ser cumpridos nas grandes obras do Estado. Nunes Correia falava no Parlamento, onde esteve hoje a discutir com os deputados, na especialidade, o Orçamento do Ambiente para 2009.

No caso concreto do novo Aeroporto de Lisboa, os trabalhos não devem avançar sem que os estudos de impacto ambiental estejam concluídos, sob pena de os promotores dessas obras terem de emendar eventuais erros, avisou o governante. “O estudo de impacto ambiental não se desviará um milímetro do que terá que ser, quer a obra tenham começado ou não”, referiu o ministro do Ambiente, sublinhando que este princípio é extensível às obras de expansão do Porto de Lisboa.

O deputado José Eduardo Martins, do PSD, disse que quem acaba por pagar as contrapartidas, caso as obras sejam paradas ou reformuladas, são os contribuintes, ao que Nunes Correia retorquiu que não responde por contratos assinados por outros. (fim)

RR em 10Nov2008

16 outubro 2008

Orçamento de Estado 2009
Ambiente com reforço orçamental, Fundo de Carbono recebe 53 milhões

O Ministério do Ambiente vai ter mais 105 milhões de euros para gastar, um aumento de 17% face a 2008, isto de acordo com a proposta de Orçamento de Estado para o próximo ano.

Depois de dois anos sem receber o dinheiro prometido, o Fundo Português de Carbono volta a estar contemplado nas intenções do Governo, com 53 milhões de euros para 2009.

Estas verbas servirão para comprar licenças de emissão de CO2, um instrumento fundamental para Portugal cumprir o Protocolo de Quioto e as metas europeias para as alterações climáticas até 2020.

Apesar das previsões, em 2007 e 2008 este Fundo não recebeu os 159 milhões prometidos, tendo sido financiado pelas receitas da taxa sobre as lâmpadas de baixo consumo (que no ano passado não existia e este ano se estima que forneça apenas 700 mil euros). A taxa sobre o gasóleo de aquecimento contribuiu com cinco milhões em 2007 e deverá garantir uns 16 milhões este ano.

Dinheiro contemplado no Orçamento de Estado, só mesmo os 18,4 milhões referentes a 2008 entraram em caixa e os 19 milhões de 2007 não se sabe se serão recuperados. Seja como for, o Fundo Português de Carbono ainda não acumulou metade do que estava previsto.

As verbas para outros organismos

Mais de 60% das verbas orçamentadas do Ministério de Nunes Correia vão para o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. O Governo quer reforçar as acções de reabilitação a realizar em Lisboa e Porto e no projecto “Realojamento”.

O Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade recebe 29,5 milhões de euros, um crescimento superior a 7%.

As cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional levam grandes cortes, entre os 15% no Norte e os 48% no Algarve. (fim)

RR em 16Out2008

01 setembro 2008

Banda Larga Móvel Pré-Paga
Produtos iguais lançados ao mesmo tempo levantam dúvidas sobre concorrência

A Banda Larga Móvel Pré-Paga custa o mesmo nos três principais operadores de telecomunicações móveis em Portugal. Em poucos dias, Vodafone, TMN e Optimus lançaram produtos que são iguais. Onde está, afinal, a concorrência? A DECO olha para o assunto com estranheza.

Para utilizar a Banda Larga Móvel Pré-Paga é necessário fazer carregamentos mínimos de 10 euros, que permitem usar o serviço durante 10 dias e até um limite de comunicações de 300 MB, que é igual na Vodafone, TMN e Optimus.

Por cada 5 euros adicionais de carregamento o cliente obtém mais 5 dias de utilização e comunicações que são, mais uma vez, iguais nos três operadores. Também o equipamento, a placa USB, e o cartão de comunicações têm o mesmo preço nos três operadores: 54,90 e 14,90 euros, respectivamente.

Até as restrições são idênticas: o serviço não está disponível no estrangeiro, em roaming; a velocidade de acesso à internet é precisamente a mesma, de 512 Kbps; e para manter o serviço activo é preciso fazer um carregamento a cada 120 dias. Sendo assim, onde é que está a concorrência?

Mário Vaz, Director de Negócios Particulares da Vodafone, a primeira a lançar o serviço, afirma que a pergunta deve ser feita aos concorrentes: «O que é que eles fizeram de diferente?»

Para TMN, que lançou o produto horas depois da Vodafone, o preço é «adequado» às necessidades do mercado. Rita Teixeira, responsável pelos conteúdos móveis da marca, considera que assim até é mais fácil ao potencial cliente «entender a oferta, porque não tem necessidade de estar a perceber o preçário de um operador e depois perceber um tarifário que seja completamente diferente, de outro operador».

Já para a Optimus, que arrancou para a corrida com dois dias de atraso, a um domingo, no sector das telecomunicações existe esta tendência. «O primeiro a lançar é aquele que define os preços e os outros tipicamente copiam», afirma Joana Ribeiro da Silva, Directora de Marketing. «Esta estrutura de preços é muito adequada a este tipo de utilização esporádica e daí termos todos acabado por alinhar nestes preços», acrescenta.

Operadores rejeitam concertação, DECO tem dúvidas sobre concorrência

Os três responsáveis da Vodafone, TMN e Optimus são taxativos e rejeitam que haja concertação de preços. Perante os factos, as únicas diferenças entre os serviços das três empresas podem ser, por exemplo, na cobertura e na qualidade do serviço, como a fiabilidade das ligações. Acontece que essas características não são comunicadas ao cliente, nem estão ao acesso de todos. Por seu lado, a TMN afirma que o seu produto se distingue dos outros por oferecer 300 MB tráfego de navegação na rede de Hot Spot da Portugal Telecom, a que pertence, espalhados pelo país.

Para António Meyrelles de Souto, da Associação de Defesa do Consumidor (DECO), há coincidências que levantam dúvidas. Este especialista em telecomunicações acha estranho «a rapidez com que os dois operadores responderam ao primeiro», numa questão de horas ou de dois dias, «tendo logo disponível um produto para comercializar que é em tudo idêntico ao primeiro» a ter sido lançado. «Não é muito provável que estes operadores tenham em carteira produtos iguais e que estejam à espera que um avance para os outros poderem imitá-lo», conclui. (fim)

RR em 01Set2008

13 agosto 2008

Opinião
Esta mensagem não foi numa garrafa
Uma guerra de alguns dias entre a Rússia e a Geórgia, um conflito a que assistimos quase em directo pela televisão e pela rádio nestes dias de Agosto, desrespeitando a trégua olímpica, e que parece terminar com a mediação da União Europeia num acordo de seis pontos: cessar o uso da força e as operações militares, abrir o acesso a ajuda humanitária, reestabelecer o status quo militar anterior ao conflito e abrir caminho para a discussão do estatuto político das regiões da Ossétia do Sul e da Abkázia.

A Rússia enviou dois recados muito claros aos Estados Unidos e à Europa: o espaço de influência da Federação Russa não é para ser vulnerabilizado, e a independência unilateral do Kosovo com imediato reconhecimento europeu e norte-americano abriu um precedente.

O “jovem e agitado” presidente Mikhail Saakachvili — como o classificou o jornal Liberation — errou nos cálculos ao tentar cumprir pela força uma antiga promessa eleitoral de re-anexar a Abkázia e a Ossétia do Sul, repúblicas autoproclamadas apenas reconhecidas pela Rússia. Se esperava recuperar popularidade, depois de este ano ter perdido 40 por cento daqueles que o elegeram em 2004, errou. Mesmo que por estes dias seja popular por ter defendido o seu povo face ao gigante russo, a prazo deverá ser castigado pela oposição ao seu regime e perderá o poder. Também errou ao julgar que o aliado norte-americano iria em seu socorro de arma em punho, rapidamente e em força, quando o que de maior relevo se viu foram duas curtas declarações de Condoleeza Rice e uma de George W. Bush, apelando ao respeito pela integridade territorial da Geórgia, que é o mesmo que dizer aos russos, “vá lá, não disparem para além da Ossétia”.

Saakachvili é o homem que decretou duas semanas de “estado de emergência” em Novembro do ano passado, depois de manifestações violentas dos seus opositores. É o homem que me transpareceu atabalhoação e desespero nas sucessivas entrevistas em directo na Sky News e na CNN em que, repetidamente, anunciou a “óbvia” invasão russa, a destruição do seu país “democrático” e pediu ao ocidente que “acordasse”. Desespero tal que entou no canal britânico em directo às quatro da manhã locais, meia noite em Inglaterra, na madrugada de terça-feira. Saakachvili é o homem que fala aos jornalistas em inglês, que discursa em georgiano nas manifestações de apoio frente ao parlamento, e que dá uma conferência de imprensa minutos depois e no mesmo local, do mesmo púlpito, em inglês. Tems uns tiques autocráticos, viveu nos Estados Unidos, e efectivamente gere um país em pleno desenvolvimento — as rendas dos oleodutos e gasodutos a caminho da Turquia ajudam; e a propósito disso, a BP é quem tem a maior fatia no consórcio que os gere e o único Governo que não ouvi tomar posição foi o britânico.

A intervenção da Rússia, por seu lado, foi desproporcionada para responder ao que terá sido uma tentativa de tomada da capital da Ossétia do Sul por parte das tropas de Tbilissi. Mas foi planeada, como indicia a rápida disponibilidade de meios que terão partido da Abkázia, e intencionada: ficou o forte aviso aos Estados Unidos, à Europa e à NATO, de que não deviam intervir. Uma mensagem recebida pelos destinatários, que responderam à situação com apelos ao cessar-fogo e condenações genéricas à Rússia, com demora — como as primeiras reuniões do Conselho de Segurança da ONU, no fim-de-semana, já tinham mostrado que aconteceria — e muita parcimónia nas acções.

No entanto, e para que a Rússia não pense que pode enviar estes avisos quando bem entende, agora o Ocidente castiga. Cancela um exercício da NATO onde os russos iam participar, diz que as relações daquela organização com aquele país devem ser revistas, e diz que já não sabe se quer a Rússia na Organização Mundial do Comércio, por exemplo. Lá no seu canto, Vladimir Putin deve estar a rir-se. E os líderes europeus, aliviados pelo fim da crise e com um sorriso nervoso típio de quem percebeu o recado.

Agora terá de se discutir o estatuto político da Ossétia do Sul e da Abkázia, uma dor de cabeça acrescida para a Europa, e uma situação delicada para o Direito Internacional mas bem conhecida de todos devido ao Kosovo, como hoje o Presidente russo Dmitry Medvedev fez questão de sublinhar em conferência de imprensa para todo o mundo. O filme ainda agora começou. (fim)

08 maio 2008

Entrevista a João Bernardo
O Maio de 68 decapitou a esquerda

É João Bernardo quem o afirma e assegura que ainda hoje a esquerda procura as estruturas que perdeu, «mundialmente». Intelectual de extrema-esquerda e anti-capitalista, é crítico do comunismo soviético, que qualifica de capitalismo de estado. Considera que se deve aos imigrantes e aos retornados a Portugal o maior choque moral do final do salazarismo, mas não viveu a contestação estudantil de 1969 porque entretanto se exilou, depois de ter sido expulso do ensino universitário português durante oito anos. Militou no PCP e no Comité Marxista-Leninista Português — fundado por Francisco Martins Rodrigues, recentemente falecido —, e depois de expulso criou os Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas. Vive no Brasil há 11 anos e há duas décadas que lá lecciona em várias universidades públicas, Economia da Educação, História Económica e Política. Conversou connosco numa recente passagem por Lisboa, para uma conferência sobre o Maio de 68 no Instituto Franco-Português.

O João Bernardo diz que o Maio de 68 deixou a esquerda sem as estruturas que tinha antes…
Os partidos comunistas posicionaram-se contra o Maio de 68, em França, e os seus equivalentes noutros países. Até então, os partidos comunistas tinham hegemonizado a extrema-esquerda. Claro que havia outros grupos à esquerda dos partidos comunistas, mas eram extremamente minoritários, eram grupos sem significado. Na sequência do Maio de 68 os partidos comunistas viraram-se contra aquilo que era a posição mais activa da classe trabalhadora, que não era a dos estudantes, e perderam a sua razão de ser.

Em França, eu lembro-me que, pouco depois de Maio, quando De Gaulle faz as eleições legislativas a seguir a Maio de 68, o partido comunista francês conduz a sua campanha eleitoral com o lema de que “nós somos o primeiro partido em França a denunciar o esquerdismo”. Portanto, vai apresentar-se como um partido da ordem. Mas quem vota na ordem vai votar na direita clássica, e quem quer o anti-capitalismo via-se sem os seus partidos tradicionais. É isso que nós hoje ainda estamos a atravessar, mundialmente.

A esquerda ficou irreparavelmente decapitada pelo processo de Maio de 68?
Em Portugal, em 1974, depois do 25 de Abril, o Partido Comunista Português tornou-se um partido anti-greves. Quando os CTT fizeram greve, pouco depois do 25 de Abril, os militares ligados ao PCP e os ministérios também ligados ao partido mandaram as tropas substituir os grevistas. Houve dois oficiais milicianos que se recusaram, Anjos e Marvão. Foram presos. Nas primeiras grandes manifestações: “Anjos e Marvão, libertação”.

De dentro do Governo, o PCP fazia um ataque sistemático às greves. Mais dissimulado, porque [o PCP] não aparecia explicitamente, mas por trás do Governo ou por trás de regimentos militares que controlava. Eu acho que isso tudo somado teve um efeito positivo, apesar de tudo. Não foi tão mau como à primeira vista uma pessoa de extrema-esquerda e anti-capitalista, como eu sou, poderia pensar. Limpou terreno. O problema é que uma extrema-esquerda anti-capitalista está a demorar muito tempo até reconstruir um outro terreno.

Esteve durante oito anos impedido de frequentar todas as universidades portuguesas?...
Sim, gabo-me, sem dúvida, de ter sido o estudante com mais expulsões durante o tempo do fascismo. A seguir eram dois colegas com quatro anos de expulsão, se não me engano, e eu fui expulso por oito anos das universidades portuguesas.

Por que motivos?
Era uma lista muito longa. Fui expulso em 1965, quando houve um pouco mais de 200 estudantes sancionados. Nem todos foram expulsos, uns estiveram suspensos. No meu caso, houve outras coisas que agravaram, como acusação de agressão física ao reitor e a dois funcionários. Depois estive envolvido no roubo do próprio processo disciplinar de dentro do tribunal. Essas coisas estão relatadas num livro chamado “Primeiros Planos”, feito por três antigos jornalistas, que relata o movimento estudantil desde 62 até 74.

Os ecos do Maio de 68 francês em Portugal são a contestação estudantil de 69?
Isso é o que o Fernando Rosas apresentou e me parece perfeitamente claro. Eu nessa altura já não estava no movimento estudantil e já nem estava em Portugal, estava emigrado. Mas concordo inteiramente com essa periodização, embora já surjam raízes disso nas lutas de 1965. Depois há a questão das inundações e da ida dos estudantes para as zonas inundadas, em Novembro de 1967… Mas, sim, acho que é, sem dúvida, 1969.

Em França os estudantes incorporaram a luta dos trabalhadores, estavam com os trabalhadores. Em Portugal o movimento estudantil também foi assim?
Até 1967 o PCP foi hegemónico no movimento estudantil. Bizarramente, ou não, o PCP fazia uma divisão muito grande, e entre estudantes e trabalhadores não havia contactos. E essa problemática dos trabalhadores dentro do movimento estudantil vai ser trazida não pelo partido comunista, mas pelos variados grupos esquerdistas, à esquerda do PCP.

Quando os militares fizeram o 25 de Abril, a primeira Junta de Salvação Nacional não pretendia destruir o aparelho administrativo salazarista. Esse aparelho ruiu: os presidentes de câmara e toda essa gente fugiu. O Salazar tinha dito “os comunistas matam toda a gente”, e os homens deviam acreditar piamente nisso e então fugiram, debandaram, não havia estruturas administrativas. As pessoas dirigiam-se à Junta de Salvação Nacional, em Belém, para resolver os mais variados assuntos, e os militares não sabiam resolver esses assuntos. No geral eles não sabem resolver nada. Então delegavam nos oficiais milicianos, que eram mandados aqui e acolá para resolver in loco os assuntos.

Quem eram os oficiais milicianos? Eram estudantes que tinham acabado de se licenciar e tinham saído da universidade com uma enorme contestação, o que lhes abriu os olhos para os problemas da população. Esse foi um dos factores de mais rápida radicalização depois do 25 de Abril, e é aí que as coisas escapam à Junta de Salvação Nacional, porque ela por si não pode resolver os problemas e os únicos que o podem fazer são os milicianos, formados pelo movimento estudantil. Os oficiais de quadro, a meu ver, são ineptos para tudo, a não ser talvez para as coisas militares. Aí tem um efeito directo do movimento estudantil português na vida política mais lata.

Uma outra intervenção dizia que com o Maio de 68 em França os imigrantes se tornaram sujeitos políticos. Concorda?
Sim. Durante a guerra da Argélia e entre os imigrantes argelinos, aqueles que não eram sujeitos políticos a polícia obrigava-os a ser…

E em Portugal é depois de 1974, depois do fim da guerra do Ultramar?
Não. Repare que muitas das pessoas que emigravam para França davam o salto antes, eram refractários. Nas incorporações finais para a guerra colonial chegou a faltar, em certas casos, metade dos incorporados… Quem é que ia fazer quatro anos de guerra colonial para emigrar depois? Eu tenho uma certa dificuldade com essa categoria dos sujeitos políticos: como é que eu vou avaliar se uma pessoa é consciente ou não? Isso é Deus que sabe… Posso ver é a realidade prática, o que fazem…

Eu encontrei documentação sobre fábricas, se não me engano era o caso da Citroen, em que a maioria dos trabalhadores aceitou, no período da Greve Geral, em Junho, as propostas patronais, e um núcleo duro resistiu a aceitar. Esse núcleo duro era constituído só pelos imigrantes da fábrica, portugueses, marroquinos, espanhóis, jugoslavos, quando aparentemente, pela lógica das lutas operárias, devia ser o contrário, porque o imigrante não tem respaldo jurídico e em princípio tem mais medo de lutar. Mas a pessoa depara-se com factos assim…

A emigração portuguesa tinha problemas muito difíceis de trabalhar, politicamente, porque grande parte dos que emigravam eram camponeses. Tradicionalmente migra-se do campo para a cidade, só que a cidade ali era Paris. É preciso não esquecer que Paris era a segunda cidade portuguesa, havia mais portugueses ali do que no Porto. Portanto, havia pessoas que iam directamente dos confins de Trás-os-Montes para Paris, um universo completamente diferente. Vai-se dizer que essas pessoas não eram sujeitos políticos ou que eram despolitizados? Não. Só que estavam num mundo que não compreendiam, ou que demoravam tempo a compreender. E quanto menos compreendiam mais viviam nas suas comunidades, mais viviam fechados com as famílias, e por isso a relação com o mundo exterior era demorada.

Que se deve aos imigrantes e aos retornados a Portugal o maior choque moral que houve no final do salazarismo e no pós-salazarismo, disso estou perfeitamente convencido. Foram eles que alteraram os comportamentos da sociedade portuguesa. Deixaram de ser respeitosos, submissos, passaram a ter uma certa arrogância, vieram com aquelas ideias que tinham assumido numa outra sociedade, e não numa sociedade beata e fechada que você, felizmente, não conheceu e que não pode mesmo imaginar até que ponto o era.

Terá sido isso fundamental para o que se passou no 25 de Abril?
Eu não sei se foi fundamental para o que se passou no 25 de Abril, mas para a evolução cultural posterior a 25 de Abril, acho que sim. Aqueles que regressaram tiveram um papel muito importante. Porque, repare, aqueles que eram os nossos políticos eram sobretudo urbanos, e esses emigrantes eram rurais, das pequenas terrinhas. A vinda a férias dos emigrantes e dos filhos dos emigrantes, das meninas e meninos de 18 anos, 16 e 15, que tinham chegado a essa idade em França e que iam ver os primos em Portugal: pode imaginar o choque que isso ia criar numa terriola? Com comportamentos completamente diferentes, criavam um fascínio, uma vontade de imitação, e por isso estou convencido que isso teve um efeito muito grande onde os activistas políticos menos conseguiam atingir, precisamente nas partes rurais e periféricas, e por fim nas grandes cidades.

Enquanto alguém assumidamente de extrema-esquerda, como acha que a Igreja terá olhado para o movimento estudantil português?
A Igreja era um pilar do regime, mas havia pessoas da Igreja que romperam com ela. Em Portugal menos do que noutros países, mas enfim. Estou a lembrar-me do Felicidade Alves, por exemplo, prior de Belém, uma paróquia frequentada pelo Presidente da República e por vários ministros que moravam ali em Belém, e que assumiu posições corajosas. Mas não foi uma corrente significativa. A Igreja em Portugal foi sempre uma força moralmente conservadora; francamente, a meu ver, obscurantista, enquanto que em países como o Brasil a Igreja foi um dos elementos mais activos para o fim da ditadura militar. (fim)

Trabalho não publicado.

19 abril 2008

Entrevista a Alyn Ware
Deputados por um mundo sem armas nucleares

Recusando representar algum tipo de lobby e preferindo ser visto como um educador para a questão nuclear, Alyn Ware esteve em Lisboa pela primeira vez e conseguiu que dois deputados aderissem aos Parlamentares pela Não-Proliferação e Desarmamento Nuclear (PNND, em inglês). A organização reúne cerca de 500 associados, deputados em mais de 70 países, e não esquece de repetir que existem milhares de bombas nucleares prontas a serem usadas: só nos Estados Unidos se estima que sejam 250 mil ogivas. Alyn Ware é também um dos advogados que dirigiu o processo que levou à condenação do Estado francês pelo Tribunal de Justiça Internacional, em 1995, por causa dos testes nucleares no atol de Mururoa.

O que é que um país como Portugal pode fazer pelo desarmamento nuclear?
Portugal está numa posição significante porque é membro da NATO, que apoia o armazenamento nuclear preventivo. Por outro lado, todos os países da NATO, tal como a maior parte dos países no Mundo, fazem parte do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e do compromisso de trabalhar para um Mundo livre de armas nucleares. Portugal pode incentivar ao desarmamento.

Encontrou-se com vários deputados portugueses, que resultados produziram essas reuniões?
Tivemos reuniões positivas com alguns deputados. Reunimos com Leonor Coutinho, da Comissão de Negócios Estrangeiros, que aderiu à nossa organização. Pedro Quartim Graça, do Partido da Terra, eleito pelo PSD, também aderiu… E ainda reunimos com um assistente do Bloco de Esquerda, que assegurou que o partido vai participar nalgumas das nossas acções. Também reunimos com algumas organizações não governamentais, com quem estabelecemos relações de colaboração, incluindo o Conselho Português para a Paz e Cooperação, que há vários anos tem estado envolvido nestes assuntos.

E com José Lello?
O Sr. José Lello é o presidente da mesa da Assembleia da NATO e a NATO ainda tem a possibilidade terrível do uso de armas nucleares, recorrendo a armas norte-americanas, francesas, ou inglesas. Por isso é muito importante que a NATO avance nesse ponto e se afaste da confiança depositada nas armas nucleares. Levantámos essa questão ao Sr. José Lello, e a nossa organização vai levar a cabo um evento na próxima assembleia da NATO.

O que podem os deputados portugueses fazer se aderirem à organização?
Nós não requeremos nenhuma actividade específica por parte dos deputados. Temos um leque de opções a que eles podem voluntariamente aderir. Mas, por exemplo, já referi antes as armas nucleares tácticas que estão armazenadas na Europa em países da NATO… Alguns deputados noutros países como a Bélgica e Alemanha estão a adoptar resoluções para acabar com as armas tácticas norte-americanas e as russas. Talvez os deputados portugueses pudessem pegar nesse assunto. Outra possibilidade é uma proposta que está nas Nações Unidas com vista à negociação de um tratado internacional para abolir completamente as armas nucleares. Actualmente Portugal vota contra essa resolução. Isto é um aspecto fundamental para a nossa organização: convencer países que não apoiam essa resolução a apoiá-la quando for novamente a votação este ano.

Que países têm, actual e publicamente, armas nucleares?
Há cinco Estados nucleares, reconhecidos ao abrigo do Tratado de Não-Proliferação, que são os cinco membros permamentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas: Estados Unidos, Rússia, China, França e o Reino Unido. Além desses, Índia e Paquistão testaram armas nucleares em 1998, demonstrando que as têm. Acredita-se que Israel tenha armas nucleares e há mesmo provas disso. E a Coreia do Norte retirou-se do Tratado de Não-Proliferação e também testou uma arma nuclear.

Por isso, ao todo são nove os países que têm armas nucleares actualmente. Outros podem desenvolver armas nucleares num futuro próximo se tiverem urânio altamente enriquecido, ou se extraírem plutónio dos resíduos dos seus reactores nucleares. O Japão tem essa capacidade, o Brasil tem programas de enriquecimento de urânio, o Irão está a começar, a Holanda tem urânio enriquecido, e há mais alguns países que não têm nenhuma arma nuclear agora, mas podem tê-la no futuro.

O Irão não tem armas nucleares e reclama que o seu programa nuclear é apenas para fins energéticos… O Irão representa um perigo?
O Irão não tem, actualmente, urânio enriquecido, que é o que é necessário para construir uma bomba, mas pode enriquecê-lo a esse nível. De momento está sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atómica, que está a verificar que não têm material capaz de ser utilizado em bombas, mas é uma possibilidade.

De todos os países que já visitou, onde encontrou maiores dificuldades em divulgar a causa e recolher apoio de deputados?
Claro que nos Estados Unidos há problemas com a actual Administração, que não atende às suas obrigações de desarmamento nuclear, embora isso esteja a mudar e nós temos tido desenvolvimentos positivos junto do Congresso, com várias resoluções acerca deste assunto. E esperamos que a nova Administração norte-americana dê alguns passos em frente. A Rússia tem sido muito difícil, mas temos, no entanto, alguns deputados que têm levado a cabo algumas iniciativas e no caso das armas tácticas pode haver alguns desenvolvimentos na Rússia. Depois há sempre as dificuldades da Índia e do Paquistão, que recentemente testaram armas nucleares e por isso estão mais relutantes em trabalhar pelo desarmamento nuclear do que no passado.

Estes são só alguns exemplos, eu acho que em todos os países há sempre pontos positivos e negativos. Mas também acho que o mais inspirador é a Zona Livre de Armas Nucleares, que já são 130 países que se comprometeram não só a não ser defendidos por armas nucleares, mas a proibi-las no seu território. E isso já é a maioria dos países no Mundo. E agora há ideias para uma Zona Livre também na Europa, por exemplo, e nisso Portugal pode pensar em aderir, se for para a frente. (fim)

RR em 16Abr2008. Áudio aqui.

18 abril 2008

Entrevista a James Nixey
Quem é Medvedev, o delfim de Putin?

Dmitry Medvedev é o novo presidente da Rússia, eleito com mais de 70 por cento dos votos. Com 42 anos este advogado e administrador da maior empresa russa, a Gazprom, é o mais novo líder russo e o sucessor escolhido por Vladimir Putin. Mas quem é o novo presidente russo e que desafios se lhe deparam? James Nixey, especialista em assuntos russos do Instituto Real de Relações Internacionais britânico, ajuda a traçar um cenário para a Rússia nos próximos quatro anos.

Quem é Dmitry Medvedev?
Dmitry Medvedev é o escolhido de Putin, o sucessor designado, o seu protegido. É o Presidente da Gazprom, a maior empresa russa, e é também vice primeiro-ministro. É um homem novo, advogado de formação. Não tem o passado do KGB de Putin, mas isso não significa necessariamente uma grande mudança. Vamos assistir a um acordo de continuidade entre Putin e Medvedev.

Continuidade parece ser a palavra-chave. O que devemos esperar de Medvedev na relação com o Ocidente?
Suspeito que o acordo entre Putin e Medvedev estabelece que não haverá mudanças radicais ou recuos de oito anos de putinismo. Portanto aquilo que veremos será uma retórica menos belicista do que a de Putin, que por vezes não consegue evitar fazer declarações agressivas anti-Ocidente. Isso não deverá ser o estilo de Medvedev, mas na substância a Rússia vai continuar a ser difícil de lidar para os países europeus e Estados Unidos.

Um dos assuntos mais delicados entre a Rússia e a Europa é a energia…
Ele [Medvedev] falou em liberalizar mercados e até agora o discurso sugere que vá ser menos propício a utilizar a energia russa como ferramenta política. Mas se não o fizer vai entrar em conflito com Putin, e isso é muito improvável. Portanto, suspeito que os problemas energéticos da Europa não vão desaparecer do dia para a noite porque mudou o nome de quem está no poder.

Em relação ao Kosovo, a Rússia reagiu com um apoio incondicional à Sérvia, pelo não reconhecimento. O Kosovo é importante para a Rússia?
Essa foi uma reacção emocional por parte dos russos. O Kosovo não é um lugar estrategicamente importante, mas os russos sentem-se traídos pelo Ocidente e vão continuar a reclamar. Dito isto, acho improvável — porque esta é uma situação que simplesmente perderam — que tentem esquecer por que isso os faz parecer fracos… Mas penso que o Kosovo é um assunto encerrado.

Rússia e Reino Unido têm tido vários incidentes diplomáticos. Como vê o caso Litvinenko, à luz deste novo presidente russo?
Esta é uma questão que o Governo britânico gostaria de esquecer, está muito ansioso para não irritar demasiado os russos. Mas ao mesmo tempo temos outros problemas nas relações entre Rússia e o Reino Unido. Não extraditámos certos exilados políticos que acolhemos em Londres, depois a situação com o British Council… Mas o caso Litvinenko/Lugovoi por si só não está a ser seguido de perto, porque é um embaraço para os dois países.

Ainda é cedo para falar nas relações futuras com os EUA, mas quem é que os russos preferem para a Casa Branca?
Medvedev já disse que vai trabalhar com quem quer que vá para a Casa Branca em Novembro, mas isso não é inteiramente convincente porque John McCain, o candidato líder dos Republicanos, tem posições muito mais agressivas face à Rússia do que os candidatos Democratas. Ele sugeriu, por exemplo, que a Rússia deveria deixar o G8 porque não é uma democracia… Penso que comentários desses não serão bem-vindos na Rússia e os russos esperam um democrata na Casa Branca. (fim)

RR em 03Mar2008. Áudio indisponível.

17 abril 2008

Entrevista a Norberto Andrade
O português que serviu Aleksander Litvinenko

Há mais de 25 anos que Norberto Andrade trabalha no bar do hotel Millenium Mayfair, em Londres. Em Novembro do ano passado não imaginou que acabaria por servir a Aleksander Litvinenko o gin tónico fatal, que deixaria o ex-agente do KGB a agonizar na cama de um hospital por contaminação com o agente radioactivo Polónio 210. Aos 67 anos este madeirense, a residir na capital inglesa há mais de 40, viu-se envolvido num caso de espionagem ao estilo da Guerra-Fria. Nunca as relações entre o número 10 de Downing Street e o Kremlin estiveram tão geladas. Andrei Lugovoi, principal suspeito, nunca foi extraditado.

Recorde-nos o que aconteceu naquele dia de Novembro do ano passado.
No primeiro de Novembro de 2006 o Sr. Litvinenko, o Sr. Lugovoi e outra pessoa sentaram-se numa mesa por volta das três e tal, até às cinco. Nesse dia havia muito movimento no bar e eu é que servi esses senhores, porque as mesas estavam todas completas. Servi chá japonês com mel e limão, depois três gin tónico, mais tarde pediram mais uma taça de champanhe mas a pessoa não quis o champanhe, e quis antes mais um gin. E quando eu estava a pôr o último gin na mesa, um outro homem levantou-se e eu não pude ver o que aconteceu nessa altura, está a perceber? E de repente o Sr. Lugovoi pediu a conta, assinou e foram-se embora. Eu também limpei a mesa, os copos, as chávenas, o bule do chá e pus tudo na máquina.

O Sr. Litvinenko ou o Sr. Lugovoi já tinham estado alguma vez lá no hotel?
Sim, o Sr. Lugovoi já estava no hotel há três ou quatro dias. (E o Sr. Litivinenko mora em Londres…) Mas aquelas pessoas não tinham nada de sinistro.

Quando é que se apercebeu do que tinha acontecido? Só quando o caso foi notícia?
Só duas semanas e meia depois, na terceira semana de Novembro, é que eu soube que o Sr. Litvinenko estava a morrer no hospital, porque a televisão e os jornais começaram a noticiar isso.

Na altura havia alguma coisa estranha nas chávenas ou nos bules?
Quando eu despejei o bule no lavatório notei que estava assim um pouco mais amarelo, o que não era normal, mas eu não liguei. Só no fim dessas três semanas, quando Litvinenko estava a morrer, é que a polícia e a agência de saúde fecharam o bar. E só depois de uma semana ou duas é que soubemos que também estávamos contaminados. Durante esse mês eu achava-me muito quente. Eu chegava ao trabalho e dentro de uma hora ficava muito quente e a roupa interior toda molhada. E no fim apanhei um género de irritação na garganta e no peito. E então a agência de saúde tomou conta de nós e de vez em quando faz-nos uma inspecção médica.

Ainda hoje continua a ser seguido pelos médicos ingleses por causa desse caso?

Sim. De momento estamos à espera, eu e os meus colegas, do resultado do último teste. E o bar vai reabrir agora todo reconstruído, no dia 5 de Novembro.

O bar sofreu obras por causa do caso com o Polónio 210?
Pois. Eles usaram radiação, um género de spray… E aquela mesa, as cadeiras, as paredes, a carpete, ficou tudo contaminado. E nós também ficámos contaminados. Éramos sete rapazes e raparigas a trabalhar no bar, e eu é que fiquei pior porque eu é que os servi e limpei a mesa.

Então, por precaução a administração do hotel decidiu fazer obras e remodelar o bar de novo…

Sim, porque para descobrir o que foi ou não foi levou muitos meses. Só nos últimos dois ou três meses é que o hotel pôde reconstruir o bar outra vez. Fechou desde Novembro (2006) até agora.

Na altura o senhor deve ter sido ouvido no âmbito de investigações, a polícia certamente quis falar consigo.

Eu tive várias conversas com a Scotland Yard, para ver se eu tinha visto qualquer coisa, ou para descobrir como é que aquilo aconteceu. Enquanto testemunha eu não posso falar muito disso, porque eu sou capaz de ser chamado, se por acaso for para tribunal. Porque eles estão à espera que a Rússia autorize o que o Sr. Lugovoi venha a Londres, para vir ao tribunal. Eu não posso dizer muito, porque está em curso a investigação. (fim)

RR em 05Nov2007. Áudio indisponível.

16 abril 2008

Porque encerrou definitivamente no dia 31 de Outubro de 2007 a maior sala de cinema do país, a Academia Almadense, deixo aqui a reportagem que fiz sobre o cinema em Maio de 2006, quando ameaçou fechar pela primeira vez.

Academia Almadense
O meu cinema já foi grande

A maior sala de cinema do país, e a última na cidade de Almada, está em risco de fechar. As dificuldades financeiras são muitas e os espectadores são poucos. Até o serviço de bar deixa de estar garantido já a partir do final do mês.

Quinta-feira é dia de estreia nacional. O filme é o mais recente episódio de “Missão Impossível”, e às três e meia da tarde, a primeira sessão do dia, estão apenas dez pessoas na sala da Academia Almadense. «Ontem, com o outro filme, fizemos matiné para uma pessoa sozinha. Isto assim não pode ser», comenta com desalento o senhor Lourenço, encarregado do pessoal e funcionário da Academia há 21 anos. «Este filme é bom. Vamos ver como se safa logo à noite e no fim-de-semana», diz com uma esperança ténue, enquanto olha a rua, encostado a uma das portas de vidro que deixam entrar a única luz que ilumina o amplo átrio do cinema. «Desligo as luzes uns dez minutos depois da hora, porque à tarde não vale a pena estar a gastar», explica.

Ao cimo de vários lanços de escadas abre-se a porta da cabine de projecção. António Dias, projeccionista da Academia há três anos, divide a sua atenção entre a vigia que deita para a sala de 830 lugares e por onde controla, curvado, a projecção do filme, e a vontade em falar dos meandros da «melhor profissão do mundo», que é a sua, há já três décadas. O ruído e o calor que estão na sala são produzidos pelo projector, um Victoria com lâmpada de 7500 watts, adquirido em 2003 e três vezes mais potente que o anterior. «Só com uma máquina assim é que se consegue aquela qualidade de imagem», esclarece, apoiado na máquina antiga, ainda ali ao lado. «Se isto acabar é uma pena. Ainda por cima com uma máquina nova, está a ver?»


A verificar-se o encerramento da Academia, o centro de Almada fica despovoado de cinemas, 14 anos depois do encerramento da sala da Incrível Almadense. Em 2003, com o centro comercial Almada Fórum, abriram 14 novas salas de cinema. Mas a verdade é que o centro comercial está bastante desviado da cidade, junto à auto-estrada A2, e dependente de deslocação em viatura própria ou autocarros específicos. O que são condições muito diferentes da Academia, situada numa das principais artérias de Almada, a rua Capitão Leitão. É lá que se concentra muito e variado comércio tradicional, a antiga igreja que alberga os Paços do Concelho, o antigo e desactivado hospital, cafés e restaurantes para múltiplos gostos, e os mais conhecidos bares, sempre com constante movimento de carros e pessoas.

À noite a rua ganha outro brilho, com os néons encarnados que realçam “Academia Cine-Teatro” e também as luzes coloridas que na fachada do cinema assinalam mais um aniversário da instituição, o 111º — a Academia Almadense é uma associação cultural e recreativa, e o cinema é apenas uma das suas valências, dispondo também de serviços de desporto e música (ver caixa). Mas, na sessão das 21h30 o cenário não era melhor: estavam vendidos cerca de 90 bilhetes.

Ao entrar na sala, a visão daquele volume amplo quase vazio impressiona, pelo que deve ser arrebatadora quando lotado. São 26 filas de cadeiras em couro verde-escuro, divididas em balcão e plateia, numa sala em forma de concha, e muito bem iluminada. Tudo está limpo e não há sinais de degradação, chão e paredes estão forrados a alcatifa castanha, e nos degraus brilham as letras de cada fila, de A a Z, em luz violeta. Das paredes relevam as diversas colunas de som, pequenas caixas negras, e concavidades acústicas. A tela branca, que se veste de tons vermelhos antes da sessão, mede uns módicos 19 metros de comprimento por sete de altura, e está emoldurada por duas filas de pesados cortinados. Porque construída originalmente para ser um cine-teatro, a sala tem um grande palco em meia-lua, de soalho igualmente verde, que invade a plateia até junto dos primeiros assentos e se estende por detrás da tela, e sob o qual existe um fosso de orquestra. Maior que a Academia Almadense só a primeira sala do ainda encerrado cinema S. Jorge, com mais 18 lugares, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, o que faz da sala almadense a maior do país de gestão privada.

«Não vem ninguém depois da hora»

«Antigamente éramos quatro arrumadores, mais um ou dois a cortar bilhetes». Agora são quatro rotativos, dois por semana, um na entrada e outro sozinho na sala, informa José Marreiros, reformado, arrumador de sala na Academia há 11 anos. A maior enchente de que se lembra foi o “Titanic”, que esteve 15 dias esgotado e mesmo depois de sair de cena as pessoas ainda vinham à procura de bilhete, conta, enquanto separa pelo picotado os talões dos bilhetes já cortados. Depois disso, só filmes como os da série “O Senhor dos Anéis”, o primeiro episódio da trilogia “Matrix” e um outro de “A Guerra das Estrelas” provocaram enchentes.

Com a redução de pessoal e dos espectadores somente uma das cinco portas de acesso à sala está em funcionamento, o que é motivo de lamento para o senhor Marreiros. «Antes indicávamos às pessoas o caminho mais próximo, “ao cimo à esquerda, ao cimo à direita”» e agora «quem tem lugar mais à esquerda entra pela mesma porta e tem que andar aquilo tudo», explica com um profissionalismo encantador, que vai muito além da farda, uma camisa de riscas encarnadas e o colete de algodão azul escuro, onde ao peito está o brasão da casa. Se a Academia fechar «fico triste, pois claro», não tanto por perder o trabalho, dado que «isto é mais uma entretenha» e que não são os sete euros que ganha por sessão que fazem grande diferença. Quando lhe peço para ver a lanterna prateada, dispara: «e tínhamos que alumiar o caminho aos espectadores atrasados, quando agora não vem ninguém depois da hora».


Talvez mais gente se sentisse atraída pelo cinema se lá pudesse encontrar todas as semanas daquelas estreias sobejamente divulgadas e aguardadas. Contudo, isso nem sempre é possível. «Só os filmes com mais de 35 cópias é que chegam à Academia, porque as distribuidoras privilegiam as suas salas», explica Arménio Silva, responsável de programação da Academia desde a sua abertura, acerca das fitas com a etiqueta da Lusomundo. De potenciais grandes êxitos como “Missão Impossível” ou “O Código Da Vinci” chegam a Portugal entre 60 e 80 cópias, «e esses conseguimos agarrar». Quanto a outros filmes, simplesmente «respondem-nos que não há cópias para a Academia», o que se tem verificado com maior frequência desde a abertura do Almada Fórum.

Mesmo que o cinema continue a laborar, a partir do final do mês não está assegurado o serviço de bar. Ao fim de 12 anos a explorar o espaço e a manter o bengaleiro da Academia, Afonso Miranda já comunicou à Direcção a vontade de extinguir o contrato de concessão. O abandono deve-se a uma «reorganização interna do negócio», explica, referindo-se ao café de que é proprietário, há 25 anos, e que fica do outro lado da rua. Com menos funcionários Afonso Miranda tem que dar mais atenção ao seu negócio principal, não negando, porém, por detrás do ruído do moinho de café, que as receitas do bar também «já não são o que eram».

A pedido de memórias, recorda com um sorriso que em dias de lotação esgotada, ou mesmo com mais de 500 espectadores, abriam os dois bares, referindo-se a um segundo espaço, no topo e à direita da escadaria do átrio de entrada — as sessões da Academia têm intervalo. Ou lembra ainda a introdução das pipocas no cinema, quando tomou em mãos o bar, e de quanto essa novidade incomodou o encarregado da sala.

José Amorim, de 54 anos, escolheu a Academia Almadense para ver a estreia de “Missão Impossível”, em família. Porquê? Precisamente porque ali não encontra a confusão de outros sítios nas estreias, mas também porque o bilhete é mais barato. O Almada Fórum, diz, é cómodo pelo estacionamento fácil e gratuito, pela variedade de filmes que oferece e por tudo o resto extra-cinema. «A nossa filha mais nova está lá, a ver o mesmo filme, com os amigos», revela.

Andreia e Guilherme, ela psicóloga e ele engenheiro civil, ambos a caminho dos 30 anos de idade, escolheram a Academia «pela tradição», pelo preço reduzido dos bilhetes — 2,50 euros contra mais de cinco na generalidade dos cinemas — e para não correr o risco de encontrar a lotação esgotada. Por seu turno, Jorge, 29 anos, e Sónia, de 28, salientam a qualidade da sala e a existência de intervalo. Já Manuel e Elsa, de 30 e 25 anos, explicam que pesou na decisão o facto de residirem nas imediações, o preço baixo e a qualidade de som e imagem da sala.

De facto, desde a sua abertura, há 32 anos, foram realizadas várias intervenções e melhoramentos na sala da Academia, para a manter sempre actualizada. Na década de 90 substituíram-se as cadeiras e alcatifas, melhoraram-se as condições acústicas e introduziu-se o som Dolby Digital Surround, marca de pioneirismo do cinema na altura, além de um novo ecrã. Isto sem esquecer o último investimento, com o actual projector, uma despesa que rondou os 60 mil euros, realizada já numa altura de quebra financeira. Mas a noite de quinta-feira continuava muito tímida.

Prejuízos nos últimos seis anos

«O máximo agora são 200 pessoas», diz a bilheteira Maria Luísa, de 62 anos e há 43 na Academia — é das funcionárias mais antigas. «Não adianta baixar o preço dos bilhetes», afiança, um mês depois da decisão da Direcção em reduzir os ingressos de 3,80 para 2,50 euros durante a semana, mantendo-se o preço ao sábado, domingo e feriados. É certo que os filmes anteriores não foram do estilo desta estreia nacional, mas Luísa garante que muitos dos frequentadores do cinema são residentes nas proximidades, ou os miúdos que não têm carro para se deslocar ao centro comercial. «Dantes, nas estreias, formavam-se filas enormes que iam até à esquina» do edifício, comenta, depois de interromper o tricot para vender bilhete a um espectador tardio. «Este não é de cá, perguntou se ainda havia bilhetes», graceja.


Osvaldo Azinheira não pode partilhar a boa disposição, mesmo que momentânea. Para o Presidente cessante da Direcção da Academia Almadense a realidade é dura e muito triste. «Temos vindo a adiar, desde há anos, o encerramento do cinema», confessa. Na sua opinião são vários os responsáveis pelo decréscimo de espectadores do cinema, mas sobretudo a falta de estacionamento nas proximidades e a supressão, no passado, de duas carreiras de autocarros que passam naquela rua, para Cacilhas, depois das 21 horas. Por fim, as outras condicionantes são comuns à crise geral do cinema: a TV por cabo, a internet, o DVD e «a grande diminuição do poder de compra das pessoas».

Pelo menos desde 1999 que o cinema não apresenta um exercício positivo. E os números são bastante elucidativos das dificuldades que a Academia atravessa: se em 2001 as receitas do cinema foram de 391 mil euros, com despesas um pouco superiores, em 2003 apenas entraram nos cofres cerca de 129 mil euros (saíram 244 mil), sendo que em 2004 o valor não chegou aos 102 mil euros (com despesas de mais do dobro). Ou seja, em três anos registou-se uma quebra das receitas superior a 74 por cento — não foram disponibilizados dados referentes a número de espectadores. «São as piscinas que evitam a derrocada total» da Academia, afirma resignado, enquanto o cinema sempre tinha sido a principal fonte de receita da instituição.

«Tenho a consciência de que vou passar o testemunho de um barco a afundar», desabafa, claramente emocionado, de olhar evasivo por detrás dos óculos, e ajeitando a gravata. Azinheira, de 72 anos e assessor da presidência da autarquia, vem sendo sucessivamente eleito Presidente da Direcção há um quarto de século, mas assume-se algo cansado e desgastado. Conforta-o saber que quem lhe sucederá é um homem da casa há tantos ou mais anos que ele, que conhece os problemas e é de sua inteira confiança — é, aliás, o seu Vice-Presidente, que agora encabeçou a única lista apresentada a sufrágio.

É, então, nas mãos de Domingos Torgal, professor do primeiro ciclo reformado e profundamente ligado e activo no associativismo almadense, que reside o futuro do cinema da Academia. Para já, o que pretende fazer é «ouvir os jovens, chamá-los a dar a sua opinião sobre o que se deve fazer para dinamizar o cinema e a sala». Na sua opinião, a principal pecha da Academia são os problemas de estacionamento. E pelo menos uma solução existe. É que o edifício do cinema foi construído com estacionamento subterrâneo. Apenas essa cave alberga, desde 1976, as actividades desportivas da Academia. «Eu gostava de poder devolver a garagem à garagem», diz, «porque ainda cabem lá umas 60 ou 70 viaturas». Mas isso depende da construção de um pavilhão gimno-desportivo para a Academia, em terrenos a disponibilizar pela autarquia, algo ainda dependente de projecto e que num curto prazo não passa de um desejo. «E a Academia também não tem esse dinheiro, diga-se».

De cabelo e bigode brancos, divertido ao longo da conversa, o professor Torgal não evita que o rosto se lhe feche perante a questão, a que responde, com séria inevitabilidade: se a crise subsistir «não ponho de parte a hipótese de fechar o cinema».

Um problema sem solução

O problema da falta de público na Academia Almadense não parece ter resolução possível. A crise do cinema é geral, como atestam os dados do Instituto do Cinema Audiovisual e Multimédia: em 2005 os cinemas nacionais perderam quase um milhão e 400 mil espectadores (menos 8,1 por cento), face ao ano passado. E para as salas únicas e de elevada capacidade, como é o caso, não há forma de responder à crescente oferta de fitas, pois a escolha é só uma. Em bom rigor, nos dias de hoje uma sessão com mais de 150 espectadores é um óptimo resultado para a generalidade dos cinemas, cujas lotações não vão muito mais além. Apenas quando se tem 830 cadeiras para preencher e as dimensões e custos que lhes estão associados, obviamente esse número não chega.


Também os hábitos de consumo dos portugueses se modificaram e os centros comerciais se afirmaram, oferecendo uma multifuncionalidade sem paralelo: convívio, compras, comida e cinema, tudo no mesmo espaço. Concretamente, o centro comercial Almada Fórum impôs-se não só pela novidade — o primeiro e único do género no concelho —, mas por toda uma reconfiguração de hábitos que proporcionou, a que serve de exemplo a deslocação (e expansão) do único hipermercado da cidade para a nova infra-estrutura. E não pode ser ignorado o facto de o estacionamento ser gratuito.

Por fim, transformar o cinema da Academia numa sala multiusos, uma das soluções de rentabilização do espaço, não é tão fácil quanto aparenta. É que ao cancelar uma sessão para acolher, por exemplo, um espectáculo musical, o cinema não só tem que cumprir as obrigações negociais para com a distribuidora, como pode estar a contribuir para que esta privilegie com cópia outra sala concorrente na próxima estreia.

Apesar do cenário pouco optimista verificado com “Missão Impossível”, o próximo filme a estrear na Academia é “O Código Da Vinci” e as expectativas do cinema numa boa receita são elevadas. De tal forma que o filme ficará duas semanas em exibição. Depois, e com a chegada do calor, tudo é uma incógnita.

Em Agosto do ano passado a Academia Almadense fechou as portas pela primeira vez na sua história. Este Verão, e na ressaca do campeonato mundial de futebol, teme-se que, a encerrar de novo, seja por tempo indeterminado. Que as fitas não voltem a passar, que não haja mais espectadores boquiabertos pelo gigantismo da imagem, que não mais se salte assustado pelo som daquela bala que passou rasando a cabeça. Porque um cinema fechado só se pode deteriorar e acaba por se esquecer. E as memórias não alimentam cinéfilos. (fim) (texto e fotos, Maio 2006)

Trabalho não publicado.