13 agosto 2008

Opinião
Esta mensagem não foi numa garrafa
Uma guerra de alguns dias entre a Rússia e a Geórgia, um conflito a que assistimos quase em directo pela televisão e pela rádio nestes dias de Agosto, desrespeitando a trégua olímpica, e que parece terminar com a mediação da União Europeia num acordo de seis pontos: cessar o uso da força e as operações militares, abrir o acesso a ajuda humanitária, reestabelecer o status quo militar anterior ao conflito e abrir caminho para a discussão do estatuto político das regiões da Ossétia do Sul e da Abkázia.

A Rússia enviou dois recados muito claros aos Estados Unidos e à Europa: o espaço de influência da Federação Russa não é para ser vulnerabilizado, e a independência unilateral do Kosovo com imediato reconhecimento europeu e norte-americano abriu um precedente.

O “jovem e agitado” presidente Mikhail Saakachvili — como o classificou o jornal Liberation — errou nos cálculos ao tentar cumprir pela força uma antiga promessa eleitoral de re-anexar a Abkázia e a Ossétia do Sul, repúblicas autoproclamadas apenas reconhecidas pela Rússia. Se esperava recuperar popularidade, depois de este ano ter perdido 40 por cento daqueles que o elegeram em 2004, errou. Mesmo que por estes dias seja popular por ter defendido o seu povo face ao gigante russo, a prazo deverá ser castigado pela oposição ao seu regime e perderá o poder. Também errou ao julgar que o aliado norte-americano iria em seu socorro de arma em punho, rapidamente e em força, quando o que de maior relevo se viu foram duas curtas declarações de Condoleeza Rice e uma de George W. Bush, apelando ao respeito pela integridade territorial da Geórgia, que é o mesmo que dizer aos russos, “vá lá, não disparem para além da Ossétia”.

Saakachvili é o homem que decretou duas semanas de “estado de emergência” em Novembro do ano passado, depois de manifestações violentas dos seus opositores. É o homem que me transpareceu atabalhoação e desespero nas sucessivas entrevistas em directo na Sky News e na CNN em que, repetidamente, anunciou a “óbvia” invasão russa, a destruição do seu país “democrático” e pediu ao ocidente que “acordasse”. Desespero tal que entou no canal britânico em directo às quatro da manhã locais, meia noite em Inglaterra, na madrugada de terça-feira. Saakachvili é o homem que fala aos jornalistas em inglês, que discursa em georgiano nas manifestações de apoio frente ao parlamento, e que dá uma conferência de imprensa minutos depois e no mesmo local, do mesmo púlpito, em inglês. Tems uns tiques autocráticos, viveu nos Estados Unidos, e efectivamente gere um país em pleno desenvolvimento — as rendas dos oleodutos e gasodutos a caminho da Turquia ajudam; e a propósito disso, a BP é quem tem a maior fatia no consórcio que os gere e o único Governo que não ouvi tomar posição foi o britânico.

A intervenção da Rússia, por seu lado, foi desproporcionada para responder ao que terá sido uma tentativa de tomada da capital da Ossétia do Sul por parte das tropas de Tbilissi. Mas foi planeada, como indicia a rápida disponibilidade de meios que terão partido da Abkázia, e intencionada: ficou o forte aviso aos Estados Unidos, à Europa e à NATO, de que não deviam intervir. Uma mensagem recebida pelos destinatários, que responderam à situação com apelos ao cessar-fogo e condenações genéricas à Rússia, com demora — como as primeiras reuniões do Conselho de Segurança da ONU, no fim-de-semana, já tinham mostrado que aconteceria — e muita parcimónia nas acções.

No entanto, e para que a Rússia não pense que pode enviar estes avisos quando bem entende, agora o Ocidente castiga. Cancela um exercício da NATO onde os russos iam participar, diz que as relações daquela organização com aquele país devem ser revistas, e diz que já não sabe se quer a Rússia na Organização Mundial do Comércio, por exemplo. Lá no seu canto, Vladimir Putin deve estar a rir-se. E os líderes europeus, aliviados pelo fim da crise e com um sorriso nervoso típio de quem percebeu o recado.

Agora terá de se discutir o estatuto político da Ossétia do Sul e da Abkázia, uma dor de cabeça acrescida para a Europa, e uma situação delicada para o Direito Internacional mas bem conhecida de todos devido ao Kosovo, como hoje o Presidente russo Dmitry Medvedev fez questão de sublinhar em conferência de imprensa para todo o mundo. O filme ainda agora começou. (fim)