02 março 2009

XVI congresso do PS — comentário
Uma encenação vazia de política

A campanha eleitoral do PS começou este fim-de-semana em Espinho, no congresso do partido, um encontro que teve mais de comício do que de congresso.


José Sócrates teve o seu momento de aclamação neste congresso do PS, em Espinho, onde nada foi verdadeiramente discutido. Entre três moções gerais e algumas dezenas de moções sectoriais, nenhuma foi formalmente apresentada, à excepção daquela que Sócrates subscreve e que foi aprovada com mais de mil votos favoráveis e um voto contra. Discussão, nem vê-la.

O secretário-geral foi elogiado por todos os lados, gabado várias vezes pelo presidente Almeida Santos — “o partido merece um líder assim” —, celebrado pelos seus camaradas ditos notáveis, solenizado pelos delegados e militantes de base. É o culto do chefe. Descendo à terra, houve até quem andasse a pedir autógrafos aos homens do partido: Edite Estrela e Augusto Santos Silva foram os primeiros.

A massa socialista chamada a este congresso esteve deslumbrada, apática e desinteressada, aparte os aplausos. Nas intervenções de três minutos, quase impecavelmente intercalando meia dúzia de anónimos e um notável, houve casos sofríveis e discursos que, parecendo encomendados, nem precisavam sê-lo. No púlpito a massa socialista agradece as auto-estradas — as SCUT, entenda-se, que são à borla — que “foram eles que lançaram” e acredita na campanha negra: uma delegada foi ler uns papelinhos e dizer que a crise no sector da comunicação social, com os despedimentos recentes, dita as notícias difamatórias só para vender jornais.

A julgar pela amostra militante, Sócrates vai capitalizar junto do povo a vitimização e as ignomínias em votos. O próprio atacou os jornalistas no discurso de abertura do congresso; frente às câmaras de televisão, Arons de Carvalho foi chamado a complementar e acusar directamente o Público e a TVI; quando intervieram António Costa, Santos Silva, Paulo Pedroso, Ana Gomes, Silva Pereira e tantos outros não se esqueceram de recordar e atacar os orquestradores da campanha, tão negra que culminou no apagão de sábado à noite que obrigou a interromper os trabalhos mais cedo.

Os 1.700 delegados foram escolhidos, bem ou mal, com um propósito: encenar o início da campanha eleitoral. E a “campanha negra” serve o propósito de pedir a maioria absoluta para que Portugal possa ser governado em “estabilidade”, lançando o fantasma da ingovernabilidade ou da indisponibilidade de Sócrates em caso de minoria, aliada àquela lógica perpetuada de que só com maioria se consegue um governo eficaz neste país. Nunca pensei que a democracia fosse um entrave à governação.

Os críticos do partido queixam-se de unanimismo que grassa no PS e as ausências de Alegre e Cravinho ainda entusiasmaram os jornalistas, mas só os jornalistas. Eu não percebo porquê. Num congresso onde não há discussão absolutamente nenhuma, que falta fazem dois militantes desalinhados e críticos da liderança?

A escolha de Vital Moreira para encabeçar a lista do PS às eleições europeias surpreendeu. O professor de Coimbra não milita, ele próprio se afirmou “socialista freelance”, mas é tido como uma figura da esquerda e um homem das ideias e defensor das liberdades e garantias. Uma aproximação à esquerda, pode dizer-se. Mas será um candidato agregador?

No encerramento do congresso José Sócrates deixou um recado a Cavaco Silva: as eleições autárquicas devem realizar-se isoladamente. De resto, Sócrates deu a escolher aos portugueses: “Querem manter o rumo reformista ou regressar ao passado? Querem dar condições de estabilidade e governabilidade?” A campanha começou. Vemo-nos em Outubro. (fim)

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