17 abril 2008

Entrevista a Norberto Andrade
O português que serviu Aleksander Litvinenko

Há mais de 25 anos que Norberto Andrade trabalha no bar do hotel Millenium Mayfair, em Londres. Em Novembro do ano passado não imaginou que acabaria por servir a Aleksander Litvinenko o gin tónico fatal, que deixaria o ex-agente do KGB a agonizar na cama de um hospital por contaminação com o agente radioactivo Polónio 210. Aos 67 anos este madeirense, a residir na capital inglesa há mais de 40, viu-se envolvido num caso de espionagem ao estilo da Guerra-Fria. Nunca as relações entre o número 10 de Downing Street e o Kremlin estiveram tão geladas. Andrei Lugovoi, principal suspeito, nunca foi extraditado.

Recorde-nos o que aconteceu naquele dia de Novembro do ano passado.
No primeiro de Novembro de 2006 o Sr. Litvinenko, o Sr. Lugovoi e outra pessoa sentaram-se numa mesa por volta das três e tal, até às cinco. Nesse dia havia muito movimento no bar e eu é que servi esses senhores, porque as mesas estavam todas completas. Servi chá japonês com mel e limão, depois três gin tónico, mais tarde pediram mais uma taça de champanhe mas a pessoa não quis o champanhe, e quis antes mais um gin. E quando eu estava a pôr o último gin na mesa, um outro homem levantou-se e eu não pude ver o que aconteceu nessa altura, está a perceber? E de repente o Sr. Lugovoi pediu a conta, assinou e foram-se embora. Eu também limpei a mesa, os copos, as chávenas, o bule do chá e pus tudo na máquina.

O Sr. Litvinenko ou o Sr. Lugovoi já tinham estado alguma vez lá no hotel?
Sim, o Sr. Lugovoi já estava no hotel há três ou quatro dias. (E o Sr. Litivinenko mora em Londres…) Mas aquelas pessoas não tinham nada de sinistro.

Quando é que se apercebeu do que tinha acontecido? Só quando o caso foi notícia?
Só duas semanas e meia depois, na terceira semana de Novembro, é que eu soube que o Sr. Litvinenko estava a morrer no hospital, porque a televisão e os jornais começaram a noticiar isso.

Na altura havia alguma coisa estranha nas chávenas ou nos bules?
Quando eu despejei o bule no lavatório notei que estava assim um pouco mais amarelo, o que não era normal, mas eu não liguei. Só no fim dessas três semanas, quando Litvinenko estava a morrer, é que a polícia e a agência de saúde fecharam o bar. E só depois de uma semana ou duas é que soubemos que também estávamos contaminados. Durante esse mês eu achava-me muito quente. Eu chegava ao trabalho e dentro de uma hora ficava muito quente e a roupa interior toda molhada. E no fim apanhei um género de irritação na garganta e no peito. E então a agência de saúde tomou conta de nós e de vez em quando faz-nos uma inspecção médica.

Ainda hoje continua a ser seguido pelos médicos ingleses por causa desse caso?

Sim. De momento estamos à espera, eu e os meus colegas, do resultado do último teste. E o bar vai reabrir agora todo reconstruído, no dia 5 de Novembro.

O bar sofreu obras por causa do caso com o Polónio 210?
Pois. Eles usaram radiação, um género de spray… E aquela mesa, as cadeiras, as paredes, a carpete, ficou tudo contaminado. E nós também ficámos contaminados. Éramos sete rapazes e raparigas a trabalhar no bar, e eu é que fiquei pior porque eu é que os servi e limpei a mesa.

Então, por precaução a administração do hotel decidiu fazer obras e remodelar o bar de novo…

Sim, porque para descobrir o que foi ou não foi levou muitos meses. Só nos últimos dois ou três meses é que o hotel pôde reconstruir o bar outra vez. Fechou desde Novembro (2006) até agora.

Na altura o senhor deve ter sido ouvido no âmbito de investigações, a polícia certamente quis falar consigo.

Eu tive várias conversas com a Scotland Yard, para ver se eu tinha visto qualquer coisa, ou para descobrir como é que aquilo aconteceu. Enquanto testemunha eu não posso falar muito disso, porque eu sou capaz de ser chamado, se por acaso for para tribunal. Porque eles estão à espera que a Rússia autorize o que o Sr. Lugovoi venha a Londres, para vir ao tribunal. Eu não posso dizer muito, porque está em curso a investigação. (fim)

RR em 05Nov2007. Áudio indisponível.

Sem comentários: